O livro "Onde", de José Luís Peixoto, foi publicado em Julho deste ano pela Quetzal Editores. Um livro escrito por um dos autores mais reconhecidos da atualidade, que poderia escrever sobre qualquer outra coisa, mas escreveu sobre 3 das mais belas localidades portuguesas: Abrantes, Constância e Sardoal. Esta última tem, como se sabe, uma importância especial para mim. Foi no Sardoal que nasci, cresci e onde sou feliz tantas e tantas vezes.
Despertou-me muita curiosidade que um autor como José Luís Peixoto tivesse escolhido esta zona do país para incluir num livro como este. Por este motivo, decidi arriscar, e questionar se responderia a algumas perguntas para o Viver Alternativo. Surpreendentemente, aceitou. Espero que as minhas curiosidades sejam também as vossas, e que estas respostas ajudem a reforçar aquilo que todos já sabemos: o Sardoal é lindo.
VA. Já conhecia Sardoal, Abrantes e Constância?
JLP. Apesar da grande relatividade desta afirmação, creio poder dizer que conhecia bem esses três lugares. Afinal, a enorme relação do concelho de Ponte de Sor com esta área, trouxe-me inúmeras vezes aqui. Vim cá tratar dos mais diversos assuntos, acompanhar o meu pai no seu trabalho, por exemplo, ou mesmo nascer, uma vez que nasci na antiga maternidade de Abrantes.
VA. Pensou escrever este livro e por isso deslocou-se a esta região, ou foi precisamente por se deslocar a estas localidades que se inspirou a escrever o "Onde"?
JLP. Pode dizer-se que se tratou das duas situações. Por um lado, justificou-se que escrevesse estes textos por ser um escritor próximo, com relação prévia com as localidades. Por outro lado, este acabou por ser o pretexto perfeito para aprofundar o meu conhecimento dos espaços. Ao integrar Abrantes, Constância e Sardoal na minha obra, não há dúvida de que acabei por integrá-los também na minha vida, na minha identidade. Devido a este livro, hoje, considero que sou um bocadinho também destes lugares.
VA. O que pensou e/ou sentiu quando visitou os locais sobre os quais escreve no livro?
JLP. Pensei e senti muito, com uma complexidade que não pode ser descrita aqui, sob o risco de ser minimizada. Parte disso está presente nas páginas do livro.
VA. Foi necessário algum esforço da sua parte, ou as palavras saíram naturalmente, inspirado pelos espaços que visitou?
JLP. As palavras nunca saem naturalmente, esse é um equívoco. A escrita é sempre um trabalho de procurar as palavras e as construções que tentem sugerir ideias. Quando se lê, no entanto, é bom que esse trabalho não seja visível. É a leitura que deve fluir, com naturalidade e, mesmo, com alguma ligeireza. Neste caso, são muitos os textos que falam de lugares de extrema beleza, não raramente ligados à natureza. Por isso, esforcei-me para que o esforço da escrita fosse invisível.
VA. Como sabe, sou natural do Sardoal, por isso permita-me centrar-me mais na minha terra. Foi a primeira vez que visitou o Sardoal?
JLP. Não. No caso específico do Sardoal, visitei-o pela primeira vez na companhia do meu pai, que tinha alguns amigos aí e, também, que aí se deslocava com alguma frequência para realizar alguns trabalhos de carpintaria. Desta vez, no entanto, tive o privilégio de estruturar os meus conhecimentos do Sardoal, ao nível da riqueza da sua história e património, por exemplo.
VA. O que mais o encantou?
JLP. O Sardoal é um lugar extraordinário. Para além da generosidade das pessoas que tenho conhecido aí, que fazem com que as minhas visitas sejam muitíssimo agradáveis; para além da comida e dos produtos de altíssima qualidade; para além do enorme prazer que constitui passear nas ruas do Sardoal, simplesmente observando as casas, desfrutando dos sons da vila e da natureza; fascina-me a história do Sardoal. É incrível para mim a oportunidade de imaginar todas essas histórias nos lugares exatos onde aconteceu.
VA. Como foi acolhido este projeto, junto dos Sardoalenses? Que feedback teve?
JLP. Até agora, foi muito positivo. Creio que as pessoas compreenderam que se trata da visão de alguém de fora que, no entanto, procura entender o que é estar ali todos os dias, o que é ter nascido ali e, a partir desse ponto, descobrir o mundo. Aliás, isso é o que eu próprio estou a fazer: nasci noutro lugar mas, também ao chegar a estes pontos, tento descobrir o mundo.
VA. Este projeto tem corrido bem, da sua perspetiva?
JLP. Faço um saldo positivo. Os textos incluídos no livro têm despertado a curiosidade de muitas pessoas em relação a estes espaços. Houve também um espetáculo de música da pianista Joana Gama composto a partir destas palavras e, em breve, haverá marcos nos espaços referidos com os próprios textos. Ou seja, parece-me que a vida destas palavras está ainda no início. Essa é uma perspetiva que muito me agrada.
VA. Na sua opinião de escritor, esta zona do país tem potencial de ser rica em histórias, e inspirar quem queira escrever sobre ela?
JLP. Não tenho qualquer dúvida disso. Não é por acaso que, neste momento, já existe alguma obra que refere esta zona. No entanto, parece-me que há ainda muito por escrever. Essa escrita será muito importante, na medida em que materializará e levará mais longe aquilo que as gentes de Abrantes, Constância e Sardoal já sabem.
VA. Planeia visitar-nos mais vezes?
JLP. A minha intenção é visitar estes locais tantas vezes que, a partir de certa altura, deixe de ser considerada uma “visita” e passe a ser algo que já não é digno de nota, que é absolutamente banal. Sinal disso, são as três apresentações do livro que farei nesta semana, justamente em Abrantes, Constância e Sardoal. (Nota: As apresentações decorreram entre os dias 15 e 17 de Dezembro).
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